O que é ser um crítico?
Ser um crítico? Esta é uma pergunta ampla que pode gerar respostas das mais variadas possíveis. Algumas pessoas dizem que a crítica é boa, outras afirmam que não há crítica “positiva”. A crítica vai sim ser benéfica no momento em que aquele que a receber estiver aberto a elas, ou não. Pessoas normalmente ficam arrasadas ao ler ou ao escutar uma crítica. Tem quem não as supere por longos períodos, por décadas às vezes. Pode destruir um profissional que pode ter uma autoimagem egóica de si mesmo.
Os gregos dizem que o “kritikos” tem um significado semelhante ao de alguém que julga ou que analisa. A palavra crítica tem origem no grego “kritike” e faz referência à arte de saber fazer julgamentos que sejam justos. O criticar, do verbo grego “krinein”, dá a decisão do julgo para aquele que sabiamente consegue perceber um determinado cenário e dele ser hábil o suficiente para avaliar ou analisar em contextos como a literatura, a arte ou a filosofia. E a gastronomia?
A Gastronomia e a Impossibilidade do Especialismo
A gastronomia flerta com todas áreas do saber humano há milênios. Não é à toa que cozinheiros ficam muito nervosos quando são julgados por experts da gastronomia. No entanto, eu julgo ser isso muito raso. Seria humanamente impossível ser especialista de gastronomia. Já parou para pensar na diversidade de especiarias, de ervas e temperos que há pelo nosso globo? Quantas cozinhas e quantos profissionais que diariamente buscam os melhores ingredientes para preparar um único prato? “Sou especialista em gastronomia da Europa!” Não dá, meu amigo, sinto muito colocar o seu ego no chão e passar por cima dele. São incontáveis os lugares onde se pode fazer uma boa refeição e que mereceriam uma estrela Michelin, no mínimo. Até na casa de alguém pode estar escondido um ótimo cozinheiro ou uma majestosa cozinheira.
Ah, Europa! Não vou lá e nem vou comer nada que venha de lá… Ok! Vamos falar do Brasil então. Um especialista de cozinha brasileira teria que ter mais de 100 anos só viajando por todos os lugares brasileiros, e estômago, olfato, olhos e papilas muito aguçados para provar tudo o que se pode comer aqui nos 26 estados e capital federal. Só dos estabelecimentos com CNPJ e regulares funcionando somam e passam de mais de um milhão e seiscentos mil. Sem contar bares e botecos. Pense! Sabe o tempo que isso tomaria em jornada ou mesmo maratona de alimentação para comer um prato no almoço e outro diferente no jantar? Então, não venha me falar que você é especialista. Vai passar vergonha diante de tamanha pequenez.
Alimentar e Nutrir: A Essência do Alimento
O alimento é, no seu entendimento mais primitivo, para manter a vida humana. Alimentar e nutrir o corpo para que possamos, por um breve momento de vida, passar por aqui e sobreviver. De acordo com dados oficiais das Nações Unidas (ONU), mais de 828 milhões de pessoas enfrentam a fome em todo o mundo diariamente. Então, caro leitor, minha cara leitora, substitua a frase “estou com fome” pela mais politicamente correta “estou com vontade de comer”. Essa estatística é baseada em dados recentes, ou nem tanto assim, pois é um estudo de 2021. É importante ressaltar que esses números já saltaram muito nos últimos três anos. Talvez os dados mais atuais possam ser os levantados pelo relatório anual da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e de outras agências relevantes.
Quem sente fome diz que ela faz doer e que não passa. É o corpo clamando desesperado por algo que o possa manter vivo. Mais que comida, nossos corpos precisam de água para beber. Muita água, todos os dias. E tem quem não coma e não beba nada. Você, meu caro especialista de gastronomia, sabe dizer assim de “bate e pronto” a tabela nutricional de um Prato Feito brasileiro, o nosso famoso PF? Não? Certo. Então me diga a desse prato que você mais vende no seu restaurante. Não vale olhar… Sabe? Pois é, nem mesmo eu saberia responder a essas perguntas. Sabe por quê? Porque eu também achava que era especialista em gastronomia. Ah! Então você não sabe nada e está querendo dar moral, né Sandro? Não, amigo. Tenho os meus pés no chão e entendo que, quando se abre a porta de um estabelecimento que vá servir um determinado cardápio, é preciso saber preparar o que vai vender. É preciso saber lidar com pessoas, sendo gentil primeiro com você mesmo. Sorrir sem ter alegria não é para todos. Sorrir com alegria para um cliente é um ato que beira o divino, ainda no planeta Terra.
O Respeito pelo Alimento e pelo Outro
Terra. Pés no chão não é só figura de linguagem. Tudo o que trazemos para a boca, nos nutrir, vem da terra ou do mar. Dos rios, dos criadouros… E alguém plantou, cultivou, tratou, cuidou, colheu, abateu. Tenha respeito pelo que você consegue comer, mesmo que seja apenas um simples prato de arroz sem feijão. Tenha respeito por quem só tem a mão estendida, suplicando por qualquer comida. Ou nem isso, por lhe faltarem forças para erguer qualquer um de seus braços.
Eu sei, toquei em algo muito fundo que o seu ego talvez tenha lhe feito esquecer. Quem cozinha, “cozinha para os outros”. O “chef egóico” cozinha para si. E pode ainda ter o desplante de querer falar mal de mim por ter escrito essas linhas. Tudo bem, ainda vou me acostumar com isso. Posso viver sem o seu carisma. Mas preste bem atenção em algo que vou lhe dizer. Amanhã, quando abrir o seu estabelecimento e entrar em sua cozinha, só vai ter duas formas de encarar o fato de que estarei ali sentado sendo “kritikos” ao que você me servir. Meu olhar será o mais observador. Meu paladar e meu olfato, o mais apurado. Mas não tenha medo se nada lhe incomodar a consciência. Sabe esse cliente que acabou de sair? Pode ter sido eu.
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